Pouco antes de eu completar quatro anos de idade, nasceu nossa irmã mais nova, para quem eu escolhera o nome de Maria Bethânia, por causa de uma bela valsa do compositor pernambucano Capiba. Mas ninguém se sentia com coragem de realmente pôr esse nome “tão pesado” num bebê. Como havia várias outras sugestões, meu pai resolveu escrever todos os nomes em pedacinhos de papel que, depois de dobrados, ele jogou na copa de meu pequeno chapéu de explorador e me deu para tirar na sorte. Saiu o da minha escolha. Meu pai então pôs um ar resignado que era uma ordem para que todos também se resignassem e disse: “Pronto. Agora tem que ser Maria Bethânia”. E saiu para registrar a recém-nascida com esse nome. Recentemente, ouvi de minhas irmãs mais velhas uma versão que diz que meu pai escrevera Maria Bethânia em todos os papéis. Não é de todo improvável. E, de fato, na expressão resignada de meu pai era visível – ainda hoje o é, na lembrança – um intrigante toque de humor. Mas, embora me encha de orgulho o pensamento de que meu pai possa ter trapaceado para me agradar, eu sempre preferi crer na autenticidade do sorteio: essa intervenção do acaso parece conferir mais realidade a tudo o que veio a se passar desde então, pois ela faz crescerem ao mesmo tempo as magias (que nos dão a impressão de se excluírem mutuamente) do presságio e da unicidade absolutamente gratuita de cada acontecimento. (Caetano Veloso. Verdade tropical. São Paulo, Companhia das Letras, 1997. Adaptado)
A interpretação dos teóricos agonísticos surgiu no meio acadêmico anglófono, especialmente a partir dos anos 90. Neste contexto intelectual, houve grande influência de pensadores franceses, denominados nos EUA como “pós-estruturalistas”. Entre eles, existe a forte presença de uma determinada leitura (de esquerda) da filosofia de Nietzsche . Essa leitura orientou as reflexões destes teóricos sobre a questão do sujeito (descentrado e “não soberano”), o perspectivismo (contra a ideia de verdade como correspondência) e o pluralismo (contra a busca por “unidade”). Esta visão desaguou em uma concepção de política que busca explicitar as relações de poder e fortalecer a “resistência” contra o poder em favor da diferença, do devir minoritário, do “nomadismo”, enfim, da promoção de uma abertura ao surgimento de novas possibilidades de vida. Heidegger aparece também como influência importante tanto para alguns “pósestruturalistas” franceses quanto para os teóricos agonísticos, formando uma espécie de “heideggerianismo de esquerda”. A partir desse referencial é que comentadores e teóricos agonísticos vem dando maior ênfase a aspectos trágicos do pensamento da pensadora de quem ora falamos e à sua postura crítica em relação à “tradição” da filosofia política, inserindo-a no contexto dos pensadores pós-nietzschianos críticos do “platonismo”.
(COSTA, Jean G & ZILIO, Lara B.. In: Mediações, Vol 25, n2. Londrina: Publicação do Departamento da UEL, 2020)
O mundo está parado. O que jamais pôde realizar a greve geral de antigos revolucionários que sonhavam “tudo parar” para que tudo recomeçasse sobre uma nova base está em vias de se realizar de um modo trágico, em razão de um micróbio patógeno. E, no entanto, sabemos bem: um vírus não será suficiente para mudar o mundo. Certamente, veremos em breve todos os assassinos do planeta e os amantes do lucro retomarem o controle de nossas vidas. A despeito de todo pessimismo que é legítimo manter contra as ilusões de um novo começo, há uma nota de esperança. Esta pequena e frágil nota ressoa no vazio de imaginários que até havia pouco dominavam os espaços públicos e mesmo nossas existências privadas. O neoliberalismo que triunfava em todos os lugares ainda ontem, e que estava sempre mais insolente, sempre mais arrogante, sempre mais orgulhoso de ter conseguido fazer os povos pagarem a fatura da crise financeira de 2008, conhece hoje um dos maiores abalos de sua história. É provável que não vejamos se produzir, ao menos rapidamente, a demissão todavia legítima de dirigentes políticos, nem a expropriação necessária de capitalistas que conduziram a terra inteira a essa catástrofe, e a todas aquelas que vão se seguir. Mas nós já assistimos ao esvaziamento completo do imaginário que circundava as consciências, aprisionava os corpos, constrangia as existências. O que já está aí, e não é insignificante, é a crise do imaginário neoliberal. Repito, certamente não se trata do “fim do neoliberalismo”, sistema de dominação universal, multidimensional, social e econômico, jurídico e político. As oligarquias neoliberais estão no poder há muito tempo e desejam nele permanecer por longo tempo ainda. E farão tudo para se manter no poder, não abandonarão uma polegada de seus territórios conquistados, nem um grão de suas rendas, nem a sombra de uma de suas evidências. Elas vão tentar certamente, à imagem de Macron, sempre à frente na audácia, se travestir em virtuosos altermundialistas, humanistas de sempre, ecologistas de primeira hora, e até mesmo defensores radicais do fim da globalização. Os falsos profetas já retornam à cena para dizer o contrário do que anunciavam ontem, contando com a amnésia geral para continuar suas previsões ineptas. Mas a dissimulação que os dirigentes atuais preferem é ainda aquela do soberanismo (souverainisme) estatal-nacional. Esse imaginário de contra-ataque reencontra as palavras de um velho mundo que se acreditava desaparecido desde a globalização capitalista, com acentos nacionais diferentes evidentemente, referências históricas locais, grandes modelos lendários. Na França, é De Gaulle, na Grã-Bretanha, Churchill, nos EstadosUnidos, Roosevelt. Infelizes os povos que não podem vangloriar-se de um herói da Segunda Guerra Mundial, pois estavam do lado errado da história. E, no entanto, qual o valor do imaginário da soberania nacional diante da pandemia que é, por definição, mundial? Pode ocupar o lugar de laço social durante muito tempo, apresentar a imagem confiável de um corpo coletivo autossuficiente, cuja completude poderia servir de defesa eficaz contra o vírus global? A dupla questão que é preciso colocar hoje consiste, portanto, em saber, de um lado, até onde pode ir essa crise do imaginário neoliberal, e, de outro, qual a chance de o imaginário da soberania erigir-se como substituto possível do imaginário neoliberal.
(LAVAL, Christian. A Pandemia de Covid-19 e a Falência dos Imaginários Dominantes. 2020)
Ao subir ao poder, em 1930, Getulio Vargas procurou combater as estruturas de sustentação criadas pela política do ‘café‐com‐leite’, e para isso desenvolveu uma série de mecanismos que visavam reorganizar o Estado. [...] Para governar os estados, Vargas nomeou interventores federais, que deviam exercer tanto o Poder Executivo quanto o Legislativo, com os mesmos poderes que cabiam ao governo provisório. [...] A situação se agravou mais ainda, quando em 9 de julho de 1932, os paulistas iniciaram a Revolução Constitucionalista.” (www.educacional.com.br/.../Livro%20de%20Mato%20Grosso43201211)
I. São Paulo esperava a adesão das elites mineiras e gaúchas, mas, na realidade, somente contou com a participação de um pequeno destacamento, proveniente do sul de Mato Grosso, comandado pelo general Bertoldo Klinger.
II. O apoio do sul de Mato Grosso à causa paulista estava associado à divisão do estado uma vez que, no decorrer da Revolução Constitucionalista, o sul de Mato Grosso se separou, criando o Estado de Maracajú.
III. A Revolução Constitucionalista durou três meses. Após ter derrotado o movimento em São Paulo, Vargas controlou o movimento separatista do sul de Mato Grosso.
(Agência Brasil. Disponível em https://bit.ly/2IAObP. 13.05.2018. Adaptado)
(Terra – goo.gl/VuJPSZ. Acesso em 28.01.2018. Adaptado)
(Queiroz; Moita, 2007)
(ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo: Boitempo, 2010. Adaptado)
ARGAN, G. C. Arte moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
Como afirma Matisse a respeito de A Dança (1910): "para o céu um belo azul, o mais azul dos azuis, e o mesmo vale para o verde da terra, para o vermelhão vibrante dos corpos".
Texto 1
O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral definiu, na noite desta terça-feira (25/8), que candidatos negros terão direito a distribuição de verbas públicas para financiamento de campanha e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais. A regra, no entanto, só será obrigatória para as eleições gerais de 2022. A definição ocorreu em resposta à consulta apresentada pela deputada Benedita da Silva e pelo instituto Educafro. O TSE respondeu negativamente a um dos quesitos apresentados, descartando a imposição de reserva de vagas nos partidos políticos para candidatos negros, nos mesmos termos do que ocorreu com as mulheres, que têm direito a 30%, por lei. Por maioria, o Plenário positivou três outros quesitos: as formas de distribuição dos recursos financeiros e tempo em rádio e TV deverão ser na ordem de 50% para as mulheres brancas e outros 50% para as mulheres negras, conforme a distribuição demográfica brasileira; a determinação do custeio proporcional das campanhas dos candidatos negros, destinando 30% como percentual mínimo, para a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; a distribuição proporcional do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para os negros, devendo-se equiparar o mínimo de tempo destinado a cada partido, conforme o TSE entendeu para a promoção da participação feminina.
(https://www.conjur.com.br/2020-ago-25/tse-rejeita-cota-garante-verba-propaganda-candidatos-negros)
Texto 2
Na Constituição Federal está expresso o princípio da igualdade de direitos, sendo papel do Estado promover o bem-estar social sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. No entanto, por mais que na Lei conste expresso o repúdio a qualquer tipo de discriminação, vimos na prática a não superação do racismo. O Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, feito em parceria com a Global Exchange, afirma que 'a população negra brasileira é a segunda maior do mundo após a Nigéria', e o Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão. A imensa desigualdade racial tem sua origem no processo de colonização. (...) O quadro de desigualdade social entre negros e brancos está relacionado tanto a fatores estruturais quanto à discriminação. Entre os fatores estruturais, sem dúvida, o mais significativo é o componente educacional. Ao se situarem nos grupos com menor acesso à educação formal, os negros também ocupam postos de menor prestígio no mercado de trabalho. Nesse sentido, é preciso que o Estado invista em políticas públicas afirmativas, invertendo a lógica da estrutura de oportunidades, que está profundamente marcada por práticas violadoras de direitos e de discriminações baseadas na raça.
(LEI nº 2.605/03, 2003).
Texto 3
Com as cotas no sistema educacional, especialmente de forma a assegurar aos pobres e negros condições de permanência e sucesso na escola (uma vez que o acesso está praticamente garantido), a reprovação e o abandono constituirão o verdadeiro gargalo para o ingresso na universidade, pois o percentual dos que logram concluir o ensino médio continuará a ser muito inferior ao dos brancos e orientais (...).Adotar cotas, pura e simplesmente, além da evidente dificuldade de distinguir brancos e negros num país com ampla miscigenação como o Brasil, é uma medida certeira para degradar o nível das universidades públicas e que não vai resolver séculos de discriminação econômica e racial. É pão e circo. É um teatro de má qualidade para inglês ver.
(Adaptado. José Goldemberg, Folha de São Paulo, 2004, A3)